segunda-feira, 13 de junho de 2011

Entrevista de Mariano Ao OJOGO

“"Já estou com saudades dos adeptos"

PEDRO MARQUES COSTA

Despede-se dos portistas e, num balanço longo feito a O JOGO, considera ter ficado demasiado tempo colado ao rótulo de "jogador esforçado". Não lhe foi

fácil esvaziar os cacifos, porque a vontade de continuar era evidente. Mariano admite ter chorado, e não travou as emoções na entrevista. Vai continuar

portista, onde quer que seja, e guarda memórias inesquecíveis. Mas também critica: não ter sido inscrito no início da época foi, diz ele, falta de respeito

Mariano é diferente. É inteligente, tem ideias próprias e não se importa de as partilhar; recusa-se mesmo a esconder nos lugares comuns e atreve-se a criticar

até aqueles de quem gosta, quando sente que isso é justo. Na despedida, o ainda capitão do FC Porto fez, para O JOGO, o balanço de quatro épocas absolutamente

fantásticas, desta vez sem os tropeções que tantas vezes o limitaram em campo.

Já pode anunciar oficialmente que não vai continuar no FC Porto?

Agora já. Tive uma reunião com o Antero [Henrique], que serviu para nos despedirmos e para agradecermos tudo o que conseguimos juntos ao longo destes últimos

quatro anos. Foi um momento difícil, muito difícil… Passei muito tempo aqui, as minhas filhas nasceram no Porto, tenho casa, amigos. Tenho aqui tudo o

que possam imaginar, muito para além do futebol; o pediatra das minhas filhas, o infantário, os amigos delas. Tudo.

Que balanço faz destas quatro temporadas?

Em termos colectivos, foram anos fantásticos. Conquistámos muitos títulos, fizemos sempre boas campanhas internacionais e ainda conseguimos atingir quase

todos os objectivos a que nos propusemos. No aspecto individual, acredito que podia ter dado mais à equipa, porque tinha qualidade para isso. Quando cheguei

cá, era um jogador muito técnico, mas depois de ter estado mal nos primeiros meses da minha aventura no FC Porto, tive de mudar de atitude, começar a trabalhar

mais defensivamente em relação ao que estava habituado. A partir desse momento, comecei a ficar colado à imagem de um jogador que se esforçava muito e

pouco mais. No entanto, a história da minha carreira foi mais do que isso; sempre fui um extremo, um jogador técnico.

Mas então o que correu mal?

Nem sempre tudo pode correr bem… Os jogadores precisam de confiança para render e, este ano, isso ficou uma vez mais provado. Eles estiveram sempre motivados

e superconfiantes e foi o que se viu. Eu, por exemplo, nunca senti a confiança que alguns jogadores sentiram durante esta época; não estou a culpar ninguém,

até porque, muito provavelmente, a culpa foi minha, mas não deixa de ser uma realidade. Isto apesar de reconhecer que o Jesualdo gostava muito de mim e

sempre me apoiou.

Sente que parte sem ter mostrado o melhor de si?

Os adeptos podiam ter visto mais de mim, sem dúvida. Tive uma fase muito boa, no final da segunda época, na altura em que o Lucho se lesionou e comecei

a ser titular. Depois, tive mais alguns bons períodos, mas sempre sem grande continuidade na equipa principal. Aliás, antes de me lesionar da última vez

também estava a jogar bem… Foi azar.

Qual é a melhor recordação que guarda destes quatro anos?

Os meus companheiros de equipa, que são agora meus amigos. Sem dúvida. Tive sorte em trabalhar com um grupo tão fantástico de pessoas. E estou a incluir

neste grupo toda a estrutura do clube. Fiz muitos amigos aqui e isso é o mais importante de tudo aquilo que vou levar.

Concorda com a ideia de que a sua relação com os adeptos nem sempre foi fácil?

Eles esperavam muito de mim quando fui contratado, até pelo meu passado na selecção argentina, mas cheguei em cima do final da pré-temporada e, por culpa

minha, em más condições físicas. Jesualdo Ferreira já tinha uma equipa montada e, no início, decidiu apostar no Tarik, que acabou por fazer uma temporada

espectacular. Aos poucos, fui perdendo confiança... Mas acredito que os adeptos foram percebendo, aos poucos, que estive sempre disponível para ajudar

o clube, e que dava sempre o máximo, embora nem sempre tenha sido bem sucedido.

Que mensagem gostaria de deixar aos adeptos do FC Porto?

Queria agradecer-lhes por tudo e pedir desculpa se em algum momento não consegui corresponder às expectativas. Já estou com saudades deles...

Mas já lhes perdoou os assobios?

Claro que sim. Lembro-me de que nos primeiros seis meses, mal entrava em campo já estava a ser assobiado. Mas depois passou. Bem, pensando melhor, houve

mais alguns momentos em que eles vacilaram [risos]. Recordo, sobretudo, a recepção que tive depois da lesão, no jogo com o Marítimo. Fui muito aplaudido

e, sinceramente, não estava à espera. Fiquei muito emocionado.

O que pensa um jogador quando entra em campo e é logo assobiado pelos próprios adeptos?

Não podemos pensar em nada... Faz parte da nossa vida. Mas não é fácil ser assobiado mal se está a entrar. Aliás, tive um período em que, por causa disso,

só fazia passes curtos; e mesmo assim falhava [risos]. Esses são os momentos menos bons, mas também houve alturas em que joguei bem e eles apoiaram-me.

Nos últimos tempos, por exemplo, fui tratado com um enorme carinho por todos.

"Falcao disse-me que queria continuar aqui"

Acredita que é possível manter esta equipa na próxima época?

Faço-lhe uma pergunta: se fosse dono de um grande clube e tivesse dinheiro para contratar jogadores, onde é que os ia buscar? Acho que não há grandes dúvidas

na resposta: ao FC Porto. Tenho a certeza de que haverá muitos clubes interessados e de que será muito complicado manter os 23 que ficam - éramos 24, mas

eu já não conto [risos]. Sei que a ideia do clube passa por tentar manter os jogadores mais importantes, mas não vai ser nada fácil.

É amigo de Falcao. Acha que ele vai continuar?

Conversámos muito sobre isso antes de ele ir embora. Ele sempre me disse que gostava de continuar aqui, porque adora o clube e a cidade. Falcao é uma pessoa

muito tranquila. Obviamente que, depois, há outro tipo de interesses. Ele deverá ser tentado a trocar de clube e de certeza que lhe vão oferecer muito

dinheiro. Mas ele sempre me disse que estava disponível para renovar, que havia conversas, e que queria continuar. Mas, claro, tudo pode mudar de um momento

para o outro. Apesar disso, acho que ele vai continuar, porque sempre o vi com muita vontade de ficar.

O FC Porto pode vencer a Liga dos Campeões na próxima época, na eventualidade de manter estes jogadores?

Penso que sim, sobretudo pela confiança e motivação que esta equipa tem, para além, claro, da sua qualidade. Não sei, no entanto, se isso chegará para ganhar

a Champions, porque quando se pode encontrar pela frente equipas como o Real Madrid, Barcelona ou Manchester United corre-se sempre o risco de perder.

Apesar de tudo, num dia bom, esta equipa tem potencial para vencer qualquer adversário do mundo.

"Jesualdo é como um pai André mais um amigo"

Que imagem guarda de André Villas-Boas?

Apesar de não ter sido uma opção regular, não tenho nada a apontar-lhe de negativo. Bem pelo contrário. Fez o que tinha de fazer. A verdade é que quando

podia jogar, já não havia espaço para mim; não lhe podia pedir para tirar o Varela ou o Hulk, havendo ainda o James ou o Rodríguez no banco. Para além

disso, felizmente, esta época não tivemos lesionados e foi mais difícil entrar na equipa. Mas o André sempre trabalhou bem; conversava muito com ele e

sempre me disse o que pensava, de uma forma directa. É um grande treinador e uma pessoa muito honesta. Nunca me prometeu um lugar na equipa - nem o podia

fazer -, mas sempre disse que contava comigo, porque me considerava importante para o grupo.

Ele merece todos os elogios públicos que tem recebido?

Obviamente que sim. Ele é muito bom e, depois, teve a felicidade de encontrar um grupo fantástico e com muita qualidade. Mas, sem o mérito dele nada disto

teria sido possível. Trabalha muito bem, tem uma personalidade forte, impõe as ideias com facilidade, consegue motivar todos os jogadores e ainda mantê-los

num nível muito elevado durante toda a época. Tudo isto é mérito do André. Ele prepara um jogo da Taça da Liga ou a final da Liga Europa com a mesma intensidade

e motivação.

André Villas-Boas é muito diferente de Jesualdo Ferreira?

Jesualdo tinha uma forma diferente de trabalhar; era como um mestre. Ele trabalhava muito individualmente os jogadores e todos cresciam e tornavam-se melhores.

Se calhar, na última época que cá esteve não conseguiu motivar os jogadores. Mas deixou uma marca no clube! Venceu campeonatos e taças e ainda ajudou o

FC Porto a vender muitos jogadores por um valor elevado. Se calhar, pelo carácter dele e dos próprios jogadores, não conseguiu atingir os objectivos na

última temporada.

Mas em termos concretos, quais são as diferenças entre os dois?

Jesualdo era mais como um professor, até pela diferença de idades. Ele nunca conseguiu ter uma relação de proximidade com os jogadores como aconteceu com

o André esta época. O André é como um amigo; o Jesualdo é mais um pai. Por exemplo, o Jesualdo conseguia conversar facilmente comigo e entendia-me muito

bem com ele, mas, se calhar, havia jogadores mais novos que não o compreendiam assim tão bem.

A cortesia de Hulk no Jamor

Mariano entrou no último quarto-de-hora da final da Taça, mas a braçadeira de capitão continuou a ser de Hulk. O brasileiro, porém, fez questão que fosse

o companheiro a receber o troféu. "Esse momento só foi possível porque tive o privilégio de viver mais uma demonstração de carinho do Hulk. Passou-me a

braçadeira e disse que queria que fosse eu a levantar a taça. Foi um gesto muito importante e que nunca esquecerei... É por atitudes como esta que digo

que as melhores recordações daqui, são os amigos que fiz."

"Foi muito feio não me terem dito que ia ficar de fora"

Foi muito difícil assistir ao jogo de Dublin na bancada?

Foi. Aliás, foram todos. Foi duro ficar de fora, mas, confesso, naquele em especial. Há já algum tempo que acreditávamos ser possível chegar à final. Falávamos

muito sobre isso durante a época e, à medida que a competição foi avançando, víamos quem ia caindo e comentávamos sobre as nossas possibilidades. Aos poucos,

começámos a acreditar que podíamos vencer. Por tudo isto, tive sentimentos distintos naquele jogo; estava muito contente por estarmos lá, por termos vencido,

mas triste por não ter podido participar. Apesar de tudo, aquela vitória foi bem mais importante do que qualquer desejo individual.

Custou-lhe muito ter ficado de fora da lista de jogadores inscritos na Liga Europa, mas também no campeonato durante a primeira parte da época?

Foi feio, muito feio, sobretudo pela forma como aconteceu. Na altura, dei uma entrevista a dizer que estava quase pronto para começar a ajudar a equipa,

mas só depois de ter falado com os jornalistas é que me disseram que não estava inscrito. Explicaram-me, então, que tinha sido um problema de comunicação…

O lado bom de tudo isto é que, como deixei de ter pressa para voltar, recuperei bem e hoje estou como novo. Mas, depois de isso acontecer, começou a passar

a ideia de que tinha ficado de fora por lesão, quando, na realidade, fiquei de fora por opção. O que mais me chateou neste caso foi mesmo a falta de comunicação,

embora saiba que não houve má intenção por parte do clube. Bom, mas este assunto faz parte do passado e tudo acaba por se superar.

Sente que a sua humildade o prejudicou no FC Porto?

Obviamente que sim. Fiz sempre questão de aceitar as decisões do treinador e sempre fui muito discreto. Limitei-me a trabalhar e a jogar o melhor que sabia

quando era chamado, sem nunca me passar pela cabeça discutir uma decisão de um treinador. Sempre lhes disse o que pensava, tanto aos treinadores como aos

dirigentes, mas de uma forma educada. Cheguei até aqui com esta personalidade e não a mudaria agora para tentar ganhar algo com isso. Sei que se tivesse

sido um pouco mais maldoso, no sentido de pensar mais em mim, poderia ter beneficiado com isso. Mas, eu também não sou assim [risos].

"Moutinho dava um excelente capitão"

O seu papel no balneário foi destacado por muitos dos seus companheiros. Afinal, qual foi a sua importância ao longo da época?

Como já tinha experiência de épocas anteriores, fui escolhido para ser o primeiro capitão. Tentei ajudar sempre o Falcao e o Helton, que eram novos naquele

papel, e, na impossibilidade de jogar, sabia que eles teriam mais responsabilidades do que eu perante o balneário. Nós, os três, tratámos de muitos assuntos

que as pessoas não sabem, até mesmo questões administrativas. Acredito que o segredo dos três esteve na forma como lidámos com as situações: antes de tomarmos

uma decisão, fosse ela qual fosse, conversávamos os três, decidíamos de acordo com o que entendíamos ser o melhor, e só depois comunicávamos ao grupo.

Deste modo, tudo funcionou sempre da melhor forma.

Mas houve muitos problemas para resolver ao longo da época?

Não, não... Bem, é lógico que num grupo com 25 pessoas nem sempre se pode agradar a toda a gente. Eu próprio cheguei a discutir com alguns companheiros,

embora em situações normais. Isso faz parte do futebol, mas também de qualquer empresa. No entanto, nunca houve uma situação grave. Mas vou dar exemplos:

organizávamos almoços, jantares, festas de aniversário. Muitas coisas. Agora que olho para trás, percebo que um dos nossos segredos esteve no facto de

termos conseguido formar um grande grupo. E isso nunca se consegue se não estivermos todos focados no mesmo objectivo. Quando alguém começa a pensar que

determinada pessoa é má, ou se começa a existir inveja no plantel, tudo fica mais complicado. E isso, esta época, não existiu.

Encontra, no actual plantel, jogadores com personalidade para serem capitães de equipa?

Sim, sim... Se continuar, há o Falcao, por exemplo. Não tenho palavras para o descrever como pessoa. É um amigo e, esta época, também trabalhou para a equipa

como capitão. Depois, vejo no Moutinho um excelente sucessor. É uma pessoa fantástica, muito humilde, e já tem muita experiência. Acredito que pode ser

uma boa solução. Aliás, penso que qualquer um deles pode ser melhor do que eu; considero que fui um bom capitão do lado de fora, mas nunca pude dar o meu

contributo lá dentro, no relvado.

"Gostava de ser adjunto no FC Porto"

Por onde vai passar o seu futuro?

Ainda não sei. Sinceramente, estive até ao último dia a ver se havia possibilidade de renovar pelo FC Porto, porque era essa a minha vontade. No entanto,

e apesar disso, já tinha falado com o meu empresário para nos começarmos a preparar para uma eventual saída. Mas ainda não sei onde vou continuar a jogar.

Mantém a ideia de que em Portugal só jogará no FC Porto?

No final do jogo da Taça de Portugal, quando disse isso, estava muito emocionado e, confesso, ainda acreditava que era possível continuar. Mas agora que

não posso continuar, tenho de pensar no meu futuro e saber que este é o meu trabalho. Por isso, se surgir alguma proposta de Portugal, terei de a analisar

como qualquer outra. Tudo dependerá do que surgir, embora considere que, apesar de tudo, vai ser difícil prosseguir a minha carreira em Portugal.

Chegou a falar-se da possibilidade de ir para o Botafogo, do Brasil...

É verdade que falaram com o meu empresário e também me ligaram. Demonstraram um grande interesse e ficaram de avançar com uma proposta mais concreta. No

entanto, preferia continuar pela Europa, sabendo que os clubes europeus vão começar agora a mexer-se e a definir os plantéis da próxima época. Espero ter

a minha vida resolvida dentro de três ou quatro semanas.

Pensa ser treinador um dia?

Não sei... Ainda não resolvi a minha vida. Para já, gosto muito de jogar futebol e vou continuar a fazê-lo até não ter mais propostas. Depois, logo se verá.

E se um dia decidir ser treinador, adorava trabalhar no FC Porto, nem que fosse nas camadas jovens ou até como adjunto. Quem sabe se isso não acontecerá?

Pensa regressar à cidade do Porto?

Vou ter de voltar... Vou manter casa por cá. Na pior das hipóteses, voltarei pelas minhas filhas, porque elas vão querer conhecer o local em que nasceram.

Para além disso, sou portista. Muito portista. Estou muito identificado com o clube, mas a minha ligação vai muito para além do futebol, porque também

me revejo na cidade.

Golo ao Manchester e mais dois pela beleza do momento

Ao longo de quatro anos no FC Porto, Mariano marcou 11 golos. O argentino reconhece que "foram poucos", mas, mesmo assim, não consegue escolher o melhor,

porque, defende, "houve alguns especiais", embora por motivos diferentes. "Ora bem, o melhor... Podia escolher o golo que marquei em Manchester, pela importância

que teve naquela altura. Mas há outros. Esteticamente, gostei muito do último golo que marquei à Académica, na meia-final da Taça da Liga, assim como aquele

grande remate na partida com o Sporting, no Dragão. Também guardo com especial carinho o primeiro golo que marquei pelo FC Porto; foi frente ao Paços de

Ferreira e chegou numa altura importante para mim. Lembro-me de ter falado com os jornalistas e de dizer que precisava de marcar um golo para ganhar confiança",

recordou.”

Em

www.ojogo.pt

Pelo que diz nesta entrevista, no FC Porto, Mariano passou por bons momentos e outros menos bons. Acredito que os momentos menos bons devem ter custado muito, assim como acredito que a despedida tenha sido complicada, afinal é sempre difícil afastarmo-nos dos lugares onde nos sentimos bem. Resta agradecer ao Mariano e desejar-lhe as maiores felicidades.

Sem comentários: