sexta-feira, 21 de maio de 2010

Entrevista: Ruben Micael

“O FC Porto foi muito prejudicado"
ANTÓNIO SOARES

Rúben Micael admite que ter perdido o campeonato foi uma grande desilusão, mesmo se reconhece que, ao nível individual, a época até nem foi má, apesar da fractura no pé, que até lhe pode ter custado a presença no Mundial. No FC Porto diz ter ficado impressionado com a cultura vitoriosa que encontrou e que as pessoas do clube lidam muito mal com as derrotas para concluir que só poderia mesmo jogar de azul e branco. Apesar de o FC Porto ter perdido em Braga e na Luz, o madeirense aponta os pontos desperdiçados contra equipas teoricamente mais acessíveis para explicar o fracasso portista na corrida ao penta.
Quanto à dinâmica reencontrada pela equipa com a sua entrada no onze, Rúben Micael prefere "fundir-se" no colectivo para dar explicações.

Era este FC Porto que esperava encontrar quando assinou?

Sim. Vim encontrar pessoas com uma vontade de vencer impressionante. Não existe no vocabulário do clube as palavras empatar ou perder. Quando se perde aqui, as pessoas ficam com muita azia. Fiquei muito impressionado com isso, porque vivia numa realidade diferente. Cheguei cá e vi nas pessoas a expressão de querer ganhar sempre e é o que vai acontecer na próxima época.

Na sua perspectiva, o que é que foi decisivo para o FC Porto ter deixado escapar o título?

Acho que o FC Porto foi muito prejudicado. Houve uma fase muito importante, em que a equipa podia lançar-se definitivamente e surgiram as suspensões de Hulk e Sapunaru, dois jogadores muito importantes na equipa. Depois vieram as lesões e tudo isso contribuiu para dificultar muito as coisas.

Por falar em lesões, o Rúben foi uma das vítimas. Pode dizer-se que lhe estragou a época?

Sim, sem dúvida. O pé fez com que deixasse de treinar e jogar. A do ombro, se não fosse um departamento médico tão bom como o que temos no FC Porto, sei que me ia dar mais que fazer. Sem os médicos deste clube, o contratempo teria sido bem maior e eles evitaram um situação bem pior para mim.

Que balanço faz da sua temporada no clube?

Ao nível individual não vou dizer que correu mal, acho que correu bem. Cheguei comecei a jogar e ajudei a equipa. Ao nível colectivo foi mau, porque o FC Porto não foi campeão e, nesta casa, quando não se é campeão, corre tudo muito mal.

As derrotas em Braga e na Luz, contra concorrentes directos na luta pelo título, acabaram por pesar?

Acho que perdemos o campeonato contra equipas mais pequenas. Empatamos em casa com o Olhanense, Belenenses, Paços de Ferreira... e em casa o FC Porto nunca se pode dar ao luxo de perder tantos pontos e isso penalizou-nos muito, foi mau perder muitos pontos contra equipas, digamos que mais acessíveis.

Quando o Rúben Micael chegou ao FC Porto notou-se um salto qualitativo no futebol praticado pela equipa, que começou a jogar melhor. Como é que explica isso?

Não há explicação, o FC Porto contratou-me porque tinha em mente que vinha ajudar e foi isso que tentei fazer, foi ajudar a equipa.

Mas tem a noção que a sua entrada na equipa coincide com um FC Porto capaz de desenvolver um futebol mais organizado e de tomar a iniciativa de jogo com outros argumentos?

Não gosto de falar de mim. O mais importante é a equipa e na altura houve jogadores que subiram muito de rendimento, o que tornou tudo mais fácil, porque sozinho não poderia ter feito nada.

Mas concorda que o Rúben veio trazer algo que faltava à equipa, senão não era titular logo de entrada?

Não vou dizer que não, mas foi por isso que o FC Porto me contratou, porque estava a fazer um bom trajecto no Nacional.

O meio-campo acusou muito a saída de Lucho, não havia um jogador que preenchesse de uma forma satisfatória as suas funções. O Rúben colmatou essa lacuna no plantel?

Não acho que houvesse lacunas no plantel, porque o FC Porto tem bons jogadores no meio-campo, até antes da minha chegada...

Tem bons jogadores, mas para funções diferentes...

Sim, mas por exemplo, o Belluchi tem muita qualidade, o Guarín mostrou o seu valor na última parte do campeonato. São coisas que acontecem e o FC Porto não estava a passar por um bom momento nessa altura, não vim com a intenção de substituir o Lucho, que é um excelente jogador. Tenho características próprias e é como eu disse, a minha única preocupação foi ajudar a equipa.


Quando cheguei cá, queria marcar, fazer tudo e se calhar não foi bom"

Antes de se estrear a marcar com a camisola do FC Porto, parece que se notou uma certa ansiedade e até falhou alguns golos...

Não sei se foi isso, o mais importante era a equipa. Sempre disse que se tivesse um colega ao lado preferia que fosse ele a marcar, assisti-lo, porque tem mais que ver com a minha posição e as minhas funções em campo. Agora, houve algumas situações em que se tivesse tido aquela calma como tive contra o Nacional em que marquei e a partir dali libertei-me para fazer golos, tinha marcado mais cedo, mas na próxima época espero que corra melhor. Quando cheguei cá queria mostrar, queria marcar e fazer tudo ao mesmo tempo e se calhar não foi o ideal. De resto, o primeiro golo demorou, mas chegou e foi bom.


É diferente vencer estando em campo"

Estando lesionado, já se sabe. Foi difícil para si viver a final da Taça de Portugal por fora?

Foi muito difícil sim. É diferente. Tinha a expectativa de fazer uma boa recta final, estava a voltar ao meu nível antes de partir o dedo do pé, porque tinha a expectativa de ir à Selecção, não vou estar a ser mentiroso.
Depois, jogar uma final e ganhar é fantástico. No dia do jogo tinha comentado que na época passada tinha sido eliminado nas meias-finais na Madeira e este ano tinha oportunidade de jogar a final e acabaram por ser duas épocas seguidas em que perdi a oportunidade de jogar no Jamor. É claro que os meus companheiros venceram e ainda bem, mas é diferente de estar ali dentro e vencer em campo. Se fosse por opção do treinador, agora não poder jogar por causa de uma lesão é muito complicado.


Não teremos desculpas para não vencer a Liga Europa"

Mesmo confessando a desilusão por não jogar na Champions, o madeirense garante que não haverá desculpas por jogar a meio da semana, aludindo ao que aconteceu com o Benfica, esta temporada, e apontou uma vitória na final, como objectivo.

É uma desilusão para si ter assinado pelo FC Porto a pensar também na Liga dos Campeões e acabar na Liga Europa?

Tinha sempre a expectativa de vir para o FC Porto e de, com isso, ser quase inevitável jogar na Champions. Fiz dois jogos e foi espectacular, porque é completamente diferente de jogar a Liga Europa. Agora é uma desilusão porque queria ser campeão, mas vai ser bom jogar na Liga Europa e será mais um título que o FC
Porto quererá vencer.

O Atlético de Madrid que até foi eliminado pelo FC Porto na Champions, esteve na final da Liga Europa. Acha que têm hipóteses de chegar à final na próxima época e vencer?

Por isso é que eu digo que não há limites. Vamos outra vez falar da cultura vencedora do FC Porto, porque é um clube que, onde entra, é para ganhar. Por isso é que a Liga Europa não vai fugir aos objectivos da próxima temporada. Este ano houve uma equipa que venceu o campeonato e tinha aquela desculpa de fazer dois jogos por semana, mas no FC Porto não. Até se pode jogar de três em três dias, já aconteceu no passado e o FC Porto ganhou, portanto não haverá desculpa nenhuma.


Disse que se não fosse para o FC Porto nem valia a pena falarem comigo"

Há dias, um jornal noticiou que o presidente do Benfica teria chegado a acordo para a sua contratação, mas que ela acabou por ser vetada pelo treinador Jorge Jesus. Foi assim? Soube desse acordo?

Isso é completamente mentira. Ninguém falou comigo ou com o meu empresário sobre isso. O presidente do Nacional, na altura, nunca disse que tinha chegado a acordo com algum clube. O que aconteceu foi que, na altura, se falava de muita coisa e eu pedi uma reunião com o presidente do Nacional, ele pode confirmar isso. Conversei com ele e disse-lhe que queria ir para o FC Porto e para mais nenhum clube. Podem ligar para ele para confirmar. Havia outras propostas e ele sabe disso e, na altura até para acabar com tantas especulações, disse-lhe que queria o FC Porto, se não fosse para o FC Porto, nem valia a pena falar comigo. Mas acho estranho que tenham falado nisso, porque quem fez o plantel do Benfica, segundo dizem os jornais, foi o presidente juntamente com o Jorge Jesus e acho estranho que o presidente do Benfica pudesse partir para negociações com um jogador, sem conversar com o treinador. Há qualquer coisa de errado, mas quem escreveu lá deverá saber. Tinha havido uma abordagem do Benfica antes disso, muito antes, mas nunca tinham chegado a acordo. Mas eu queria jogar no FC Porto. Havia outras possibilidades no estrangeiro para ganhar mais dinheiro ainda, mas eu disse-lhe que era no Porto que queria jogar.


O Benfica foi forte nos túneis dentro de campo e fora dele"

O que é que se passou no túnel da Luz, quando ainda era jogador do Nacional?

Já respondi a isso várias vezes, mas não deixa de ser interessante constatar que até os jornalistas sabem que o Benfica ganhou o campeonato nos túneis (risos)...

Não, quem tem falado nisso, a cada passo, é o presidente do FC Porto...

Se fosse um campeonato normal, ninguém falava nos túneis. Não sou só eu, nem os dirigentes do FC Porto que falam nisso, são os jornalistas que falam disso...

São coisas que saíram cá para fora durante a época....

Sim, mas falam no que aconteceu na Luz com o Nacional e com o FC Porto e ainda no que aconteceu em Braga. Se os jornalistas falam tanto disso, é porque foi mesmo o campeonato dos túneis. O Benfica foi muito forte este ano, foi muito forte dentro do campo, foi muito forte dentro dos túneis e foi muito forte fora do campo, acho que está de parabéns. O FC Porto tentou contrariar dentro do campo, porque fora do campo e dentro dos túneis não há maneira, só a Liga.


Contra o Arsenal não fomos jogadores à FC Porto"

A Champions deixou marcas positivas em Rúben Micael, mas também foi em Londres, nos oitavos-de-final, que o FC Porto terá realizado a sua pior exibição da temporada. Acha que a crítica foi justa com o FC Porto?

Não, não acho. Foram muito injustos. Há coisas impressionantes que aparecem escritas nos jornais, sem que as pessoas tenham a mínima ideia daquilo que se está a passar. Mas houve muitas situações que foram ressentidas no balneário. Até dói ver certas coisas que deixaram os jogadores tristes.

E da parte dos adeptos?

Depois do nosso pior jogo, a seguir à derrota com o Arsenal, alguns adeptos não esconderam a sua revolta, mas é sinal que querem ver a equipa a vencer sempre.
Nós até encaramos isso da melhor maneira e compreendemos o desejo deles, porque mais ninguém quer ganhar mais do que os próprios jogadores. Nessa altura vimos a revolta deles...

Que é que aconteceu nesse jogo?

Não fomos jogadores à FC Porto, não jogámos como a equipa costuma jogar, com aquela garra.

Mas tudo saiu mal nessa noite. Sofremos o primeiro e quisemos ir para cima deles para marcar, mas o Arsenal, com a qualidade que tem, aproveitou bem os espaços que concedemos e foi eficaz nas oportunidades que criou.

O Arsenal mostrou os limites da equipa?

Não há limites, nem no futebol, nem na vida. Ninguém pode falar disso, porque podemos sempre superar os limites. O que nós sentimos foi uma enorme vergonha após o jogo.


Evoluí muito com Jesualdo nos últimos três meses"

Fala-se na hipótese de Jesualdo Ferreira sair. Como é trabalhar com ele?

Aprendi com ele, em três meses, coisas que só um treinador inteligente como ele é que me poderia ensinar, até pela experiência dele e pelo que se conhece do Jesualdo ao nível da formação. Evoluir com ele é muito bom e em três meses senti mesmo a diferença. Ele tinha o cuidado de me dizer em que aspectos eu podia melhorar. Metia aquilo na cabeça e depois, quando via alguns jogos em casa, percebia aquilo que ele me ensinava nos treinos. Assim é mais fácil para um jogador. Foi fantástico trabalhar com ele três meses, porque a seguir lesionei-me.

Mas como encara o futuro sem ele?

Não sei se é sem ele. A Direcção é que vai decidir isso. O que eu sei é que no FC Porto a perspectiva é sempre a mesma e passa por ganhar. O Mourinho foi campeão europeu, depois de ganhar a Taça UEFA; antes tinha sido campeão nacional. Mas depois dele voltaram a ganhar e acho que a cultura deste clube, nos últimos 30 anos, foi sempre nesse sentido.

Se Jesualdo Ferreira acabar por deixar o FC Porto. Preferia um treinador português ou estrangeiro?

A Direcção é que sabe o que vai fazer. A nós jogadores só nos compete jogar à bola e dar o máximo.

Agora que digeriu o deslumbre de ingressar no FC Porto, acha que vai partir em vantagem na próxima temporada?

Claro, porque quando estamos calmos tudo corre melhor, é mais fácil jogar. Não há a preocupação de fazer isto e aquilo, porque temos mais olhos em cima de nós, sai tudo mais naturalmente.

O Zidane da Maneira, como lhe chamam, já mostrou o que tinha para mostrar, ou esta época foi só um cheirinho?

Todos os treinos e todos os jogos, a perspectiva é melhorar. Não há um jogador - quando o diz está errado, na minha opinião - que não tenha mais nada para mostrar e que possa dizer que já evoluiu tudo o que tinha para evoluir. Todos os dias aprendemos e todos os dias podemos mostrar que queremos e que podemos fazer sempre mais e melhor.


Claro que tinha a esperança de ir ao Mundial"

Apontado como sucessor de Deco, Rúben Micael era um dos jogadores que estavam nos pré-convocados de Carlos Queiroz, mas as lesões, em especial a fractura no pé direito, acabaram por ser decisivas e afastá-lo da recta final da temporada e de um grande sonho.

Acha que sem as lesões poderia estar hoje de partida para o estágio da Selecção Nacional?

Sim, porque não? Mas isso era como estarmos a dizer que com Hulk e Sapunaru poderíamos ter sido campeões. Isso ninguém pode adivinhar. É o se...

Mas alimentava esperanças de ser chamado por Carlos Queiroz, não?

Sim, até porque estava pré-convocado, por isso tinha esperança de ir ao Mundial, aliás como todos os outros que tinham sido pré-convocados.

O facto de o apontarem como um dos sucessores de Deco, responsabiliza-o?

Quero é poder treinar e jogar no FC Porto e depois, se puder ir à Selecção e representar o meu país, vou tentar fazer o melhor, mas o Deco não é substituível. Ele ajudou muito Portugal e o FC Porto e vai ficar sempre na história por isso. Agora, cada um tem a sua forma de jogar e ele é um grande jogador, mas há outros em Portugal para essas funções, não é só o Rúben Micael.”

Em
www.ojogo.pt

2 comentários:

dragao vila pouca disse...

É, de facto, uma bela entrevista, que poderiamos olhar com desconfiança e dar algum desconto, se não não notassemos no R.Micael uma forma de estar e um sentir portista, que fazem dele um potencial candidato à braçadeira de capitão. Tem garra, tem alma, é daqueles jogadores “ranhetas”, “tinhosos”, que são fundamentais no F.C.Porto do futuro. Até porque estavamos a perder profissionais com essas características...Ah, e é madeirense...mas sem tiques de grande estrela.

Beijinhos

Ana Andrade disse...

Boa Tarde!

Caro Dragão Vila Pouca,

“Ah, e é madeirense...mas sem tiques de grande estrela.”

Pois é amigo, esperemos que o Ruben continue a ser a pessoa que é, porque ser discreto e humilde não faz mal nenhum a ninguém, o futebol no geral, e o FC Porto em particular agradecem.

Cumprimentos

Ana Andrade