domingo, 13 de junho de 2010

Entrevista: Guarin

"Espero que o novo treinador confie em mim"
PEDRO MARQUES COSTA

Guarín conversou com O JOGO sentado na bancada do Estádio do Dragão, um local de sentimentos contraditórios, de onde só recentemente se habituou a ouvir palmas. O bom final de época, disse o colombiano, não foi apenas isso, até porque o médio promete continuar a jogar bem se - e há sempre um se - puder jogar com a mesma regularidade. Pelo meio, ainda elogiou o futebol praticado pela Académica de André Villas-Boas.

Como explica o seu grande final de época?

Deve-se ao trabalho diário e ao facto de ter sabido esperar pela minha oportunidade. Para mim, não foi fácil ficar um ano e meio sem jogar regularmente; estava sempre à espera de jogar três ou quatro jogos seguidos, mas por uma razão ou por outra nunca acontecia. Apesar disso, no meu íntimo, mantive a confiança
e a crença de que esse dia acabaria por chegar, e pensava sempre que teria de estar bem nessa altura. E foi isso que aconteceu. Era um objectivo pessoal
e fico contente por, finalmente, ter conseguido mostrar aquilo que posso fazer. Fiquei muito orgulhoso por cada golo que marquei. Às vezes - nem sei bem
como explicar isto... - sentia uma enorme raiva por não conseguir mostrar o meu futebol neste grande clube. Sabia que tinha condições para ser titular,
mas acabava sempre por acontecer alguma coisa que não me ajudava a continuar na equipa. Agora, no final da época, ganhei uma enorme confiança com o decorrer
dos jogos e penso que aproveitei da melhor forma as oportunidades. Mas não quero ficar por aqui; quero continuar assim na próxima época, porque posso dar
ainda mais a este clube.

Durante o período em que não era titular chegou alguma vez a pensar que nunca iria ter sucesso no FC Porto?

Sim, muitas vezes. Houve momentos em que me passavam mil e uma coisas pela cabeça, pensamentos negativos e, às vezes, positivos. Apesar disso, sempre mantive
a esperança de que um dia ia conseguir mostrar o meu talento.

A mudança táctica - utilização de quatro médios - favoreceu esse crescimento individual?

No final da época, e com esta nova táctica, o treinador deu-me muita liberdade para jogar. Isso foi fundamental, porque consegui demonstrar o meu melhor
futebol; podia atacar, estar sempre perto da área, à espera da bola para rematar, e só por isso é que marquei tantos golos. Houve alturas em que quase
jogava como avançado, porque estava muito adiantado no campo. O treinador deu-me confiança e liberdade para jogar assim e correu tudo bem, não só a mim,
como à equipa.

Quando chegou, tinha saído Paulo Assunção e foi experimentado a trinco...

Sim, é verdade, e acho que isso me prejudicou. Quando cheguei, pensava que um trinco no FC Porto tinha as mesmas funções de um trinco na Colômbia, ou seja,
que era um jogador que podia sair a jogar e acompanhar os médios de ataque. Mas, aqui, não é isso que se pede a um trinco, porque o médio-defensivo não
joga da mesma forma que na América do Sul. Isso prejudicou-me, mas também prejudicou outros jogadores, como o Bolatti ou até o Tomás Costa. Normalmente,
um médio-defensivo que jogue numa equipa sul-americana não costuma ter tantas responsabilidades defensivas como no FC Porto. Apesar disso, aprendi algumas
noções para desempenhar essa função e até posso jogar naquela posição, embora, definitivamente, não seja essa a minha posição de origem no actual esquema
do FC Porto.

Como se encontra o processo de renovação com o FC Porto?

Neste momento, tenho a garantia de que vou continuar na próxima temporada. Tenho mais dois anos de contrato com o FC Porto e, quando voltar das férias,
fiquei de conversar com o Antero sobre o assunto. Existe a possibilidade de prolongar o contrato. Logo veremos o que acontece.

O que pode prometer aos adeptos para a próxima época a nível individual?

Estou muito confiante e, com este final de época, vou regressar para a próxima com uma motivação tão grande que espero demonstrar em definitivo todo o meu
potencial. Quero fazer uma grande temporada para ajudar o FC Porto a ganhar títulos, até como forma de retribuir tudo o que o clube tem feito por mim.
Também espero conseguir retribuir, finalmente, o carinho que sempre senti dos adeptos do FC Porto, mas também dos colombianos. Só espero que o novo treinador
confie em mim e me dê oportunidades.

Académica jogava bem com André Villas-Boas"

O que retirou do trabalho realizado com Jesualdo Ferreira nos últimos dois anos?

Antes de mais, queria agradecer-lhe por tudo o que fez por mim ao longo deste tempo. Aprendi muito com ele, a nível individual, colectivo e também tacticamente.
Estou muito agradecido pelo trabalho que ele realizou comigo e também por se ter mostrado sempre disponível para me ajudar, sobretudo nos maus momentos.
Foi muito importante para o meu crescimento e para o meu bom final de época no FC Porto.

O FC Porto vai ter um novo treinador. Isso é uma vantagem ou uma desvantagem para si?

Acredito que estamos todos no mesmo patamar para o arranque da próxima época e que o novo treinador, seja ele qual for, não vai dar vantagem a ninguém na
luta por um lugar na equipa. Neste clube, todos os jogadores trabalham para ganhar a confiança dos treinadores de forma a se destacarem no onze inicial,
mas, aqui, essa vantagem ganha-se com o trabalho no dia a dia.

André Villas-Boas vai ser o próximo treinador do FC Porto. Que opinião tem sobre ele?

Joguei várias partidas contra a sua equipa, a Académica, e eles mostraram sempre um bom futebol. Mas é difícil falar mais sobre ele, porque não o conheço
pessoalmente. Neste momento, resta-nos esperar pela início de época e desejar-lhe a melhor sorte do Mundo.


Londres: um jogo para recordar depois de várias repetições

O golo marcado na final da Taça de Portugal frente ao Chaves ainda lhe está guardado na memória, mas Guarín encontra um jogo ainda melhor a nível pessoal.
"Nunca esquecerei a exibição que fiz em Londres, frente ao Chelsea, para a Liga dos Campeões. No final da partida, toda a gente me felicitou. Na altura
nem me tinha apercebido de que tinha jogado tão bem, mas com o passar dos dias, e depois de ter visto várias vezes o jogo na televisão, constatei que tinha,
de facto, realizado uma grande exibição. Apesar de termos perdido, nunca esquecerei esse jogo, porque foi num estádio fantástico, frente a um grande clube,
e para a Liga dos Campeões, que é a prova mais importante que existe".


Custa ver o Mundial pela televisão"

O que sente por ter que assistir ao Mundial de fora?

Vai ser muito difícil... Estive agora na África do Sul, para jogar um amigável, e senti um pouco daquele ambiente. Foi uma sensação inexplicável. Fiquei
ainda mais triste por não estarmos lá, porque vai ser uma competição fantástica. Não aconteceu, paciência, mas já estamos conscientes de que temos de estar
no próximo Mundial.

Vai ficar a torcer por quem?

Não sei... No início da prova, e por defeito, apoio sempre as equipas sul-americanas. Adoro ver futebol, sobretudo os Campeonatos do Mundo, mas, normalmente,
vou ganhando as minhas preferências com o decorrer da competição. Mudo quase sempre a minha equipa preferida com os jogos, porque depois quero sempre que
ganhe aquela que joga um futebol mais atractivo.


O que Falcao fez é incrível"

No FC Porto, Falcao é um ídolo, mas na Colômbia costuma ser muito criticado. Porquê?

É verdade que ele já foi muito criticado na selecção, talvez porque nunca tenha conseguido mostrar o grande jogador que é e o nível que apresentou esta
época no FC Porto. Aqui mostrou golos, assistências, um futebol fantástico a nível individual e colectivo... Como ele também jogava bem no River Plate,
as pessoas esperam sempre muito dele na Colômbia, mas houve algumas situações que não o ajudaram na selecção. Por exemplo, ele jogou várias vezes como
extremo, que, como toda a gente sabe, não é a posição dele. Mas não foi o único a ser criticado na selecção, eu também já fui. O futebol é mesmo assim.

Acha que Falcao pode fazer ainda melhor no próximo ano?

Ele já demonstrou um nível muito alto no FC Porto e vai ser difícil superar a marca de golos que conseguiu este ano. Mas não é impossível. De uma coisa
tenho a certeza: ele vai continuar a trabalhar para melhorar, porque vai querer ultrapassar a marca deste ano e bater um novo recorde de golos a nível
individual.

Qual foi para si o melhor jogador do campeonato?

Falcao. Sem dúvida. E por tudo. Por aquilo que jogou, pelos golos que marcou, mas também por ter sido a sua primeira época na Europa. É incrível o que ele
conseguiu fazer no primeiro ano. Não é fácil mostrar tanto talento mal se chega a um clube como o FC Porto.


Errámos no túnel da Luz, mas os castigos foram exagerados"

O FC Porto venceu a Supertaça e a Taça de Portugal, mas perdeu o campeonato para o Benfica. Que balanço faz da temporada?

O nosso objectivo, assumido desde o primeiro dia de trabalho, era ganhar novamente o campeonato. Tínhamos esse desejo, mas com o decorrer do tempo foram
acontecendo algumas situações que nos afastaram desse objectivo. No início da temporada, vencemos a Supertaça e, com isso, ganhámos uma grande motivação;
agora terminámos a época muito fortes, com grandes resultados, um futebol espectacular e vários jogadores em destaque. É verdade que não se atingiu o primeiro
objectivo da época, e ficámos com um sabor amargo por isso, mas conseguimos outros e terminámos a temporada em grande.

Afinal, o que falhou para o FC Porto ficar apenas no terceiro lugar do campeonato?

Esta época não vencemos por diversos motivos. Durante a temporada foram acontecendo situações menos positivas que só nos demos conta mais à frente; e estou
a falar de falhas colectivas e individuais e até alguns erros defensivos... Também tivemos muitas lesões em jogadores fundamentais para a equipa e que
apresentavam qualidades para fazer a diferença em determinados jogos. Com tudo isto, fomos perdendo pontos e ficando cada vez mais longe do nosso objectivo.

No meio disso tudo, qual é a dose de importância que atribui ao castigo de Hulk para a perda do campeonato?

Penso que também foi fundamental... O Hulk é um jogador que faz a diferença em quase todos os jogos, que tem uma qualidade incrível, e que pode dar muito
à equipa, mas também aos jogadores que jogam com ele. A suspensão dele foi injusta. Talvez os jogadores do FC Porto tenham errado na Luz, mas o que aconteceu
no túnel nunca justificaria um castigo daquela magnitude. Não estávamos à espera de uma sanção tão pesada e que foi, para nós, completamente injusta. Acho
que agora, que já passou algum tempo sobre esses acontecimentos, toda a gente acaba por nos dar razão neste assunto.

Quais são as armas que o FC Porto vai apresentar na próxima época para retirar o título ao Benfica?

Vamos vencer com a mentalidade que sempre esteve presente neste clube, com aquilo que é o FC Porto; com a qualidade do seu futebol e a garra habitual. Podemos
não ter ganho este ano, mas os jogadores não se esquecem que vencemos o campeonato nos quatro anteriores. Vamo-nos reforçar, vamos chegar motivados, animados,
e estou certo de que o próximo ano vai ser do FC Porto.

Jorge Jesus referiu recentemente que "só muito dificilmente é que o Benfica não será campeão na próxima época". Que comentário lhe merece esta declaração?

Não sei... Sinceramente, não sei o que dizer e nem me atrevo a ter uma opinião sobre uma declaração desse género, até porque não diz respeito à nossa equipa.

Vai haver mais pressão na próxima época pelo facto de o FC Porto não ter vencido o campeonato este ano?

Penso que não. Vamos ter a pressão de ganhar, porque este clube está habituado a vencer todos os anos, mas sinceramente não gosto muito de falar de pressão.
Quando estou a jogar, prefiro pensar em divertir-me ao máximo. Penso que temos de trocar essa eventual pressão por uma maior motivação. E acredito que
é isso que vai acontecer.


Quero jogar, com ou sem Raul Meireles"

Raul Meireles pode estar de saída do clube. É uma vantagem para si?

Não sei dizer, sinceramente. Quando cá cheguei, tinha saído o Paulo Assunção e foi o Fernando que acabou por assumir o lugar. No ano passado, partiu o Lucho,
um médio muito completo, e voltei a pensar que podia ocupar o lugar, mas isso não aconteceu, se calhar porque, quando tive oportunidades no início da época,
não rendi o que as pessoas esperavam de mim. Agora, no final, mesmo com o Raul na equipa, mostrei um bom rendimento. Demonstrámos que podemos jogar todos
ao mesmo tempo, eu, Fernando, Belluschi e Raul. Por isso, acho que posso jogar com regularidade quer ele esteja, quer ele vá embora. Se ele sair, não é
uma vantagem para mim, porque quero jogar com ele ou sem ele.

Bruno Alves também estará de saída do FC Porto. O que perde a equipa sem ele?

No ano passado também saíram grandes jogadores e o clube continuou a ser grande... Se sair, é lógico que vamos sentir a sua falta, porque o Bruno é um líder
dentro do campo. Não é fácil substituir um jogador assim, ele é o capitão da nossa equipa, que sempre nos aconselhou bem e sempre nos fez ver o que representava
jogar num clube como o FC Porto. Mas também há jogadores no plantel com muita qualidade e que estão à espera para começar a jogar, como é o caso do Maicon.


Vai ser difícil ficar de fora da Champions"

Vai ser difícil ficar de fora de uma prova como a Liga dos Campeões?

Claro que sim. Sentimos sempre falta quando perdemos uma determinada coisa a que já nos habituámos. A Champions é uma grande competição, mas teremos de
superar esta ausência, até porque vamos estar na Liga Europa. E posso assegurar que a motivação será exactamente a mesma. São duas competições importantes
e que encaramos com a mesma responsabilidade.

Tendo em conta a experiência internacional da equipa, incluiu o FC Porto nos favoritos à conquista da Liga Europa?

Neste tipo de competições nunca há favoritos. Pelo menos para mim. Temos o exemplo deste ano, em que o Atlético de Madrid, que eliminámos na Liga dos Campeões,
acabou por vencer a Liga Europa, apesar de haver equipas com maiores argumentos, pelo menos na teoria. Acredito que o favoritismo se vai ganhando com o
decorrer da competição."


www.ojogo.pt/26-163/artigo869630.asp

Sem comentários: