segunda-feira, 23 de maio de 2011

André Na Cadeira De Sonho

Saiu ontem na revista do Jornal Público, recebi através de um grupo do Google e vou partilhar com todos os que por um motivo ou outro não tiveram acesso a ela.


“O adepto sentado na cadeira de sonho


Por Hugo Daniel Sousa



Perfeccionista, ambicioso, bem-disposto, apaixonado por futebol, mas também amante de jantares, de bom vinho e da velocidade. André Villas-Boas é o novo
menino bonito do futebol europeu. Discípulo de Bobby Robson e Mourinho, o treinador do FC Porto é o exemplo de como em 15 anos se pode passar de jovem
fascinado por futebol a líder de uma equipa de sucesso.


André era um miúdo "pacato, discreto, afável" e um aluno mediano, que "tirava positivas, mas não investia muito nos estudos". O que realmente o fascinava
era o futebol. Às segundas-feiras, não só discutia sobre os jogos do fim-de-semana com os amigos, como levava para "a escola um relatório exaustivo da
equipa do FC Porto, com dados sobre os jogadores, as substituições e a táctica", recorda José Eiró, que foi professor de Educação Física e director de
turma de André Villas-Boas, no Colégio do Rosário, no Porto.


Nesses tempos do 7º ao 9º ano, "o menino de boas famílias" ganhou a alcunha de "cenourinha" (por causa dos cabelos ruivos) e saltava para a ribalta quando
o tema era a bola. Na família Villas-Boas não havia qualquer ligação à modalidade, mas seguiam-se os passos do maior clube da cidade, a ponto de André
ser sócio dos "dragões" desde os dois anos e meio: foi inscrito a 4 de Julho de 1980 e actualmente é o associado número 11.428. E era frequente ir ao Estádio
das Antas assistir a jogos. "Sabia tudo sobre o FC Porto", sublinha José Eiró, para retratar a paixão de André pelo clube e pelo futebol.


Esse rapaz, esse adepto fervoroso, está agora "sentado na cadeira de sonho", como ele próprio lhe chamou. E a fazer história. Nesta semana, deu ao FC Porto
a quarta vitória numa final europeia, enriquecendo um palmarés que começou a ser construído em Maio de 1987, na final de Viena, quando a equipa comandada
por Artur Jorge conquistou a Taça dos Campeões Europeus ao todo-poderoso Bayern Munique.


Nessa altura, Villas-Boas tinha nove anos. "Estava em casa da minha avó. A minha família reuniu-se toda para ver o jogo", contou recentemente o treinador,
que 24 anos depois viveu uma nova final não como adepto pela televisão, mas como protagonista.


Ao tornar-se no mais jovem treinador a vencer uma competição europeia de futebol (33 anos e 213 dias), André Villas-Boas accionou os radares da curiosidade
em toda a Europa. O Chelsea de Roman Abramovich já o tem debaixo de olho, faltando saber se o russo consegue convencer o treinador a deixar o clube do
coração e se está disposto a pagar os 15 milhões de euros previstos na cláusula de rescisão de contrato. O interesse deve-se não só aos títulos conquistados
(Supertaça, campeonato português e Liga Europa), mas também à ligação a José Mourinho e ao facto de estar a repetir o início de carreira vitorioso do seu
antigo patrão - se conquistar a Taça de Portugal ao Vitória de Guimarães, até ultrapassará aquilo que Mourinho fez na primeira temporada ao serviço do
FC Porto.


O Wall Street Journal já lhe chamou o "rapaz genial" e o Guardian fala de um "treinador em ascensão" que "transforma tudo o que toca em troféus". A pergunta
já se tornou inevitável e repetitiva nas conferências de imprensa de Villas-Boas. "É um treinador especial, como Mourinho?", atirou certo dia um jornalista
britânico. "As pessoas pensam que sou o próximo especial. Mas não sou", respondeu Villas-Boas em inglês: "Sou um treinador normal, que beneficia de ter
jogadores de topo. Um dia estarei numa equipa sem este talento e serei um "shit one" [merdoso]", brincou o treinador, usando o seu já conhecido bom humor.


À recusa em apresentar-se como o homem providencial a la Mourinho, André junta um discurso humilde na hora da vitória. "Gosto de acreditar que sou simplesmente
um líder tranquilo e o mérito é deles [dos jogadores]", disse, após a conquista do campeonato no estádio do Benfica: "Não vivo na ilusão de uma liderança
ditatorial, nem na ilusão de que sou eu que resolvo."


O mérito dos jogadores, aliás, é uma das razões que apresenta em privado para não dar entrevistas. Desde que é treinador principal, já recebeu inúmeros
convites. A resposta foi sempre não. "Perguntem na conferência de imprensa e ele responde", têm dito os assessores do FC Porto. E Villas-Boas está sempre
disponível para responder às perguntas, mas só em conferência de imprensa. Neste caso, o português é mais parecido com Pep Guardiola, o treinador do Barcelona,
que também não concede entrevistas em privado desde que ouviu o treinador argentino Marcelo Bielsa contar-lhe, durante uma longa conversa sobre futebol,
que não dava entrevistas, porque não privilegiava os grandes grupos de comunicação em detrimento de pequenos jornais ou rádios.


A admiração de André pelo catalão é tal que Guardiola foi uma das pessoas a quem dedicou a conquista da Liga Europa. "É uma inspiração para mim, todos os
dias. Felizmente, tive a oportunidade de finalmente o conhecer em Fevereiro. Inspiro-me não só mas também na sua filosofia, na filosofia do Barcelona,
de Cruyff, de Rinus Michels", afirmou Villas-Boas, numa curiosa dedicatória na quarta-feira à noite. Os outros homenageados foram menos surpreendentes.
Os pais, claro, porque acreditaram no "pequenino talento" do filho, e os seus grandes mentores. "Mourinho lançou-me no futebol profissional. Gostava de
lhe dedicar esta vitória e também a uma pessoa que já partiu e que foi decisiva na minha carreira: Sir Bobby Robson. Nunca tive oportunidade de me despedir
dele [o inglês morreu em Julho de 2009] e gostaria de lhe agradecer e à sua mulher, Elsie, por tudo o que fizeram por mim", disse André, numa referência
a quem há 17 anos lhe permitiu sair do anonimato a que estaria votado qualquer normal adepto de futebol.


O menino atrevido


Nascido a 17 de Outubro de 1977, numa família portuense tradicional (o bisavô paterno foi o 1º visconde de Guilhomil), Luís André de Pina Cabral e Villas-Boas
seguiu a vida normal de um jovem até ao final do liceu. Apesar de gostar muito de futebol, o plano traçado era seguir para a universidade, após concluir
o 12º ano. Só que um encontro desviou André daquilo que os pais (Luís Filipe e Teresa Maria) pensavam para o futuro do segundo de quatro filhos.


A leitura de jornais desportivos, o gosto pelas cadernetas de cromos, as longas conversas com os amigos sobre futebol, bem como os rabiscos nos cadernos
sobre tácticas e jogadores, já eram sinais de que ali havia um treinador em potência. Um pouco mais tarde, o "menino" tornou-se fanático pela estatística
e passava horas e horas a jogar o Championship Manager, um jogo de computador que simula as tarefas de um treinador (contratar jogadores, escolher a equipa
titular, fazer substituições e muito mais) - este jogo marcou a adolescência dos que hoje são trintões e Villas-Boas foi mais um deles, com a diferença
de que este um dia conseguiu viver na realidade as emoções que os outros só experimentaram no mundo virtual do jogo de computador.


É neste ambiente psicológico, de um jovem obcecado por futebol, que surge o tal encontro, o momento fundador da carreira de treinador de Villas-Boas. Aos
16 anos, deparou-se com o vizinho Bobby Robson, no prédio em que ambos viviam, e não resistiu a meter conversa com o então treinador do FC Porto. Usando
o inglês que tinha aprendido com a avó paterna Margareth Kendall, o afoito adolescente perguntou ao treinador britânico por que é que o seu ídolo não jogava
mais vezes. Tratava-se de Domingos Paciência, curiosamente o treinador do Braga, que derrotou, quarta-feira, na final da Liga Europa. O técnico achou piada
à ousadia e aos conhecimentos daquele rapaz de cabelos ruivos.


"Sir Bobby Robson deu-me a oportunidade de começar a carreira. Eu ia para o jornalismo desportivo. Confrontei-o com algumas questões e só alguém com a mente
aberta como ele permitiria aquela arrogância de um miúdo", contou Villas-Boas, numa das conferências de imprensa desta temporada, em que foi desvendando
alguns factos da sua vida.


"Deu-me a oportunidade de presenciar treinos do FC Porto. Eu era um mero adepto e aquilo era fantástico", acrescentou André, que passou a conviver mais
com Robson: deixava-lhe relatórios na caixa do correio, assistia a alguns treinos e acompanhava até o treinador a algumas tertúlias na Foz, onde conheceu
José Mourinho, então ajudante e tradutor do inglês. Estávamos em 1994-95.


"O André nunca foi apresentado à equipa técnica. Fazia estatísticas para o Robson. Era uma coisa muito pessoal entre eles", conta Augusto Inácio, outro
dos homens que auxiliaram o inglês no FC Porto e que só se recorda de Villas-Boas mais tarde, como observador de jogos de Mourinho.


O convívio com Robson foi decisivo na carreira do actual treinador portista. Até porque definiu uma forma diferente de aprender a função de treinador. Uma
das vias mais comuns para chegar ao comando de uma equipa de futebol é o antigo futebolista tirar os cursos especializados, organizados pelas federações.
Foi assim com treinadores como Paulo Bento, Domingos Paciência e Jorge Jesus. A outra forma habitual de se ser treinador é a via académica, em que a um
curso universitário de Educação Física se segue uma especialização em futebol. Foi este o caminho seguido por José Mourinho, Carlos Queiroz e Jesualdo
Ferreira, entre outros.


Villas-Boas acabou por seguir um meio-termo, abdicando do curso universitário e iniciando a sua especialização em futebol logo aos 17 anos, após o famoso
encontro com Bobby Robson. "Frequentou provavelmente a melhor faculdade de todas, que é o futebol. A sua formação é riquíssima e superespecífica", diz
Ilídio Vale, actual seleccionador sub-19, que foi coordenador das camadas jovens do FC Porto, no tempo em que Villas-Boas por lá passou. "Ele definiu o
seu caminho muito cedo. Investiu nesse caminho e foi-se preparando ao longo dos tempos", resume.


Uma aventura nas Caraíbas


A formação do "cenourinha" como treinador do futebol começou em Inglaterra. Por recomendação de Bobby Robson, Villas-Boas viajou para o centro de Lilleshall,
onde tirou o primeiro de vários cursos. Depois, em 1997, prosseguiu os estudos na Federação Escocesa de Futebol (FEF). "Era um estudante devoto", conta
Jim Fleeting, director do departamento de formação da FEF, que se recorda de um rapaz "desejoso por aprender".


Ao mesmo tempo que aprendia na Escócia os fundamentos teóricos da missão de treinador e que fazia alguns estágios em Inglaterra (nomeadamente no Ipswich),
André também colaborava nos treinos das escolas do FC Porto. Bobby Robson, mais uma vez, foi importante para abrir portas ao jovem aspirante, mas Ilídio
Vale sublinha que "não foi por favor" que Villas-Boas conseguiu um lugar: "Vimos que ele tinha qualidades."


Ilídio Vale recorda um jovem "apaixonado por futebol", "ambicioso" e "atrevido". "Às vezes, até penso que terá ficado chateado comigo, porque ele estava
ávido por liderar uma equipa, mas nós não tínhamos pressa em criar líderes", conta o então coordenador das camadas jovens dos "dragões", acrescentando:
"O André desde muito cedo mostrou gosto pelo risco, pelo desafio."


E foi precisamente essa atracção pelo desafio que o levou, aos 22 anos, a partir para as Ilhas Virgens. Viu um anúncio e candidatou-se ao cargo de director
do departamento juvenil da federação deste pequeno país (151 km2 e 25 mil habitantes, mais ou menos equivalente ao concelho de Albergaria-a-Velha). Já
se escreveu que a aventura nas Caraíbas durou 18 meses, mas a verdade é que André ficou lá apenas entre Dezembro de 1999 e Abril de 2000, confirmou por
email Kenrick Grant, então presidente da Federação de Futebol das Ilhas Virgens. "Falava muito de Robson", diz Grant, que ficou impressionado com "a ambição
e a capacidade de observação" do jovem português, que acabou por ser director técnico da federação e trabalhar com os treinadores de todas as selecções.



A aventura nas Caraíbas, no entanto, durou pouco. O cargo era bom para um jovem de 22 anos, as praias eram maravilhosas (como ilustravam os postais enviados
aos amigos), mas as ambições de Villas-Boas iam muito além disso. "Ele não estava impressionado com a qualidade dos nossos jogadores e queria ir para um
grande clube", responde Kenrick Grant sobre as razões que levaram o português a ficar apenas cinco meses no país. Curiosamente, só no momento da despedida,
Villas-Boas desvendou a sua idade aos responsáveis da pequena ilha caribenha.


Futebolista amador


A ida para as Ilhas Virgens foi mais um passo decisivo na carreira de treinador e pôs fim a um discreto percurso como futebolista. Muitos pensarão que André
Villas-Boas nunca jogou futebol, o que não sendo verdade também não anda muito longe da realidade.


Em meados da década de 1990, ele e alguns colegas do Colégio do Rosário juntaram-se para formar uma equipa de juniores (para jovens de 17 e 18 anos) no
Ramaldense, um pequeno clube da cidade do Porto. A história é contada por Joaquim Magalhães, conhecido como Quim Espanhol por ter nascido em Badajoz. "Às
vezes ele ia para a baliza na brincadeira, mas era um médio tecnicista, que fazia bons passes, apesar de o campo ser pelado", revela o então treinador
do Ramaldense, que chamou André à equipa principal, que na altura tentava evitar a descida de divisão no campeonato distrital do Porto.


Villas-Boas era um jovem "reservado, muito educado" e que "já dava ordens aos colegas dentro do campo": "Já se notava que era um líder", sublinha Quim Espanhol,
que "obviamente" nunca pensou que o "cenourinha" chegasse onde chegou. "Eu não imaginava que ele seria um dia treinador do FC Porto. Nem ele. Isso é como
acertar no Euromilhões", diz, entre risos.


Depois do Ramaldense, o "cenourinha" ainda jogou uma época no Marechal Gomes da Costa (MGC), um modesto clube do campeonato de amadores, cuja sede era um
carro. "Como não tínhamos um espaço físico para o clube, a documentação andava no meu carro ou no de outras pessoas do clube", revela Manuel Ribeiro, então
treinador do MGC e hoje director desportivo do Moreirense.


Manuel Ribeiro afirma que Villas-Boas era um "jogador raçudo" e que "orientava os colegas", usando os ensinamentos que estava a acumular como treinador
adjunto nas escolas do FC Porto. Fora do campo, André era "alegre": "No final dos jogos, íamos almoçar ou lanchar. E ele passava sempre boa disposição
para toda a gente. Tinha um sentido de humor muito apurado", conta Manuel Ribeiro, acrescentando que essa alegria só desaparecia quando perdia os jogos.
"Convivia mal com a derrota. Ficava triste e cabisbaixo."


Espião ao serviço de Mourinho


Esquecida a carreira de futebolista e desiludido com a qualidade dos jogadores nas Ilhas Virgens, André voltou então a Portugal e à casa de partida: as
equipas jovens do FC Porto. Ilídio Vale voltou a acolhê-lo, até ao aparecimento do seu segundo grande patrono, aquele que lhe mudaria radicalmente o curso
da vida: José Mourinho. Depois de ter sido contratado para substituir Octávio Machado como treinador do FC Porto em Janeiro de 2002, Mourinho precisava
de alguém para observar os jogos dos adversários e elaborar relatórios sobre eles.


"Mourinho falou comigo e perguntou se podia chamar o André. Eu respondi: "Claro que sim"", conta Ilídio Vale, afirmando que provavelmente Villas-Boas nem
saberá desta conversa. André começou então a colaborar em part-time com Mourinho, que conhecia dos tempos de Robson (1994 e 1996). Na época de 2002-03
ficou a trabalhar a tempo inteiro com Mourinho, iniciando um percurso de sete anos com o special one, em que desempenhou a função de espião dos adversários.


Numa rara entrevista ao Independent, em 2004, quando era um desconhecido, Villas-Boas explicou o que fazia: "O meu trabalho permite ao José saber exactamente
quando um jogador da equipa adversária está em alta ou em baixa. Vou aos centros de treinos dos rivais, muitas vezes às escondidas, e tento perceber a
forma física e psicológica dos nossos adversários, antes de tirar as minhas conclusões e apresentar um dossier ao José."


O homem que Mourinho então designava como "os meus olhos e os meus ouvidos" demorava quatro dias a elaborar um só relatório, que depois era entregue ao
treinador e aos futebolistas: "A ideia é que os jogadores, quando vão para o campo, estejam totalmente preparados e não tenham muitas surpresas durante
o jogo."


Um dos momentos altos da colaboração de Villas-Boas com Mourinho aconteceu em 2005, quando um jornal inglês revelou um relatório de observação sobre o Newcastle.
O mundo do futebol ficou encantado com o detalhe do trabalho feito por André. Lá estavam descrições pormenorizadas sobre os jogadores adversários, os pontos
fortes e fracos ou a forma como se colocavam nos cantos e livres. O detalhe ia a ponto de explicar que os jogadores do Newcastle que formavam a barreira
nos livres adversários não saltavam na hora do remate.


Espiar os adversários, porém, começou a ser pouco para o ambicioso André, que sentia capacidade para ser algo mais do que um observador de jogos. Já com
o grau mais elevado no curso de treinadores, ele queria estar no relvado, diariamente, a ajudar nos treinos. Só que na equipa técnica de Mourinho não havia
espaço (ou vontade) para ele e Villas-Boas resolveu cortar os laços com um dos seus grandes patronos, numa altura em que a relação entre ele e os outros
adjuntos de José já tinha azedado. Como o PÚBLICO já escreveu, certo dia ter-se-á virado para Mourinho e a restante equipa técnica e dito algo como isto:
"Quando eu for treinador principal, vou ser melhor que vocês todos juntos."


A aventura a solo iniciou em Outubro de 2009. Depois de algumas hipóteses que não se concretizaram (como a ida para o Braga), Villas-Boas aceitou um convite
da Académica e estreou-se como treinador principal, curiosamente no Estádio do Dragão, perdendo por 3-2 com o FC Porto, mas deixando uma boa imagem.


Villas-Boas era um treinador sem experiência, mas a marca de Robson e Mourinho, bem como algumas informações recolhidas nos bastidores, convenceram os dirigentes
da Académica a apostar em alguém que tinha só 32 anos. "Ele fazia parte de uma equipa técnica de alto nível há sete anos e, portanto, não era um inexperiente",
argumenta José Eduardo Simões, presidente da Académica de Coimbra, que explicou as razões de ter apostado em alguém tão novo.


"Um amigo comum, cujo nome não quero revelar, pôs-me em contacto telefónico com André Villas-Boas e ele veio de Milão para um encontro em minha casa", revela
José Eduardo Simões: "Para essa reunião, ele trouxe um documento sobre a equipa da Académica e a intervenção que pretendia fazer. Vi logo que estava perante
uma pessoa dotada e logo nessa primeira conversa fiquei convencido de que se tratava de um treinador excepcional."


Um treinador-amigo


Os bons resultados (e as boas exibições) da Académica despertaram o interesse de grandes clubes. O Sporting foi o primeiro e fez dois convites: um logo
em 2009, pouco tempo depois da estreia de Villas-Boas na Académica, e outro na Páscoa de 2010. Foi nesta fase que o agora elogiado treinador mostrou mau
génio, catalogando como "palhaçada" as notícias que o davam como futuro líder do Sporting. A verdade é que o negócio esteve perto de se concretizar, mas
a instabilidade no clube de Alvalade (com a saída de Sá Pinto e a entrada de Costinha para director do futebol) e a intromissão do FC Porto acabaram por
desviar o técnico para o Dragão.


"Ele já tinha sido abordado pelo Sporting, mas, quando o seu amado FC Porto apareceu, podia ver-se a alegria de Villas-Boas", revelou à Reuters Luís Agostinho,
director desportivo da Académica. Uma decisão que, na opinião de Augusto Inácio, foi marcante. "Villas-Boas tem muito mérito no sucesso que conseguiu,
mas teve a felicidade de ir para um clube com uma estrutura que lhe permite trabalhar com tranquilidade e segurança. Não tem de se preocupar com outras
coisas. Se fosse noutro clube, em que não tivesse tanta tranquilidade, era capaz de não ter tanto sucesso", aponta este antigo futebolista e treinador
do FC Porto e Sporting.


Na chegada ao Dragão, Villas-Boas foi visto como uma aposta de risco para um FC Porto que tinha ficado em terceiro lugar, atrás do campeão Benfica e de
um surpreendente Sporting de Braga. Na hora da apresentação, surgiram também as inevitáveis comparações com José Mourinho, que também chegou ao FC Porto
sem grande currículo como treinador principal (embora com larga experiência como adjunto).


Villas-Boas, como sempre, fugiu às analogias com Mourinho. Não prometeu ser campeão, como fizera o "especial" oito anos antes, e afastou as semelhanças:
"Acho que sou mais clone do Bobby Robson do que do Mourinho: tenho ascendência inglesa, o nariz grande e gosto de beber vinho", disse André, no dia em
que foi apresentado como treinador do FC Porto. "Cresci à volta dele [José Mourinho], mas fui criando as minhas próprias ideias."


Mourinho também não perdeu tempo e distanciou-se do seu antigo colaborador, em mais um sinal de que a relação entre ambos já não era a mesma. "Não venham
fazer comparações comigo, porque eu quando fui para o FC Porto já tinha trabalho de campo feito, o que é bastante diferente", disse Mourinho, numa entrevista
ao jornal desportivo Record.


O tema Mourinho foi recorrente durante toda a temporada e Villas-Boas manteve sempre o mesmo discurso. Elogiou o treinador do Real Madrid, mas destacou
as diferenças. "São duas carreiras que parecem iguais, mas não são. O José tem um mestrado, eu não tive tempo para ir tão longe nos estudos, segui outra
via. Evoluímos de forma diferente. O José entrou no futebol profissional mais cedo, com uma posição no relvado, ao contrário de mim", foi dizendo: "Não
temos o mesmo carácter, a mesma personalidade e temos formas diferentes de comunicar e de trabalhar."


A distância entre Mourinho e Villas-Boas foi também aumentando na relação pessoal. Outrora grandes amigos, a relação entre ambos "esfriou", como admitiu
André em Abril, revelando que já não é habitual falar com o técnico do Real Madrid: "Não tem nada a ver com a separação, até porque depois de eu sair,
enquanto estava na Académica, falava muito com ele. É assim que as coisas são, nada mais que isso."


A imprensa (incluindo a internacional) tem destacado duas grandes diferenças entre Villas-Boas e Mourinho: uma é que o actual treinador do FC Porto é menos
polémico, apesar de também ter protagonizado alguns momentos mais tensos, por exemplo, com o Benfica; a outra é que o jovem "dragão" é um adepto do futebol
de ataque, à imagem do Barcelona de Guardiola.


Pela curta carreira de Villas-Boas, ainda é cedo para fazer comparações com Mourinho, mas já se percebeu que, tal como o mestre que teve, sabe relacionar-se
de uma forma especial com os seus subordinados. "É muito próximo na relação com os jogadores", afirma Orlando, capitão da Académica. "Parece um atleta.
Confunde-se connosco na forma de estar e deixa-nos muito à vontade."


O facto de ter 33 anos poderia ser uma desvantagem, mas aparentemente transformou a sua juventude numa maneira de estreitar laços, algo importante numa
modalidade em que a motivação tem um papel fundamental. "Mais do que um treinador, é um colega de equipa", destaca Orlando, para quem Villas-Boas consegue
ser respeitado na hora de trabalho e ser visto como um companheiro fora dos treinos. "Às vezes, estávamos dois ou três jogadores a almoçar e ele aparecia
no mesmo restaurante. Em vez de ficar numa mesa à parte [como fazem os treinadores que cultivam a distância], juntava-se a nós", acrescenta o capitão da
Académica.


É por isso, também, que Helton, guarda-redes e capitão do FC Porto, respondeu, antes da final de Dublin, que "amigo" é a melhor palavra para definir Villas-Boas:
"Se não foi o melhor, é um dos melhores treinadores que tive, pela amizade e liberdade que nos dá para trabalhar."


Quem trabalhou de perto com ele, como Pedro Roma na Académica, destaca-lhe a capacidade de organização, o conhecimento de futebol ("deixa-nos surpreendidos),
o perfeccionismo, o gosto pela vitória e, acima de tudo, a "paixão" com que se entrega. "Tem um lado muito emotivo, que é uma alavanca para motivar os
jogadores", diz o antigo guarda-redes, que fez parte da equipa técnica em Coimbra. Uma paixão que é bem visível na forma como, durante os jogos, está constantemente
a dar orientações aos jogadores, a ponto de muitas vezes ficar rouco. Ou na maneira efusiva como tem festejado os títulos, parecendo um adepto de fato
e gravata.


Fanático pela privacidade


A motivação dos jogadores foi certamente outra das grandes influências que recebeu de Mourinho. Quando chegou ao FC Porto, colocou ecrãs no balneário, onde
passou imagens do Benfica campeão. Esta estratégia para espicaçar os jogadores portistas foi constante durante toda a época, em que foi aproveitando muitas
declarações dos rivais para motivar os seus futebolistas. "Agradecemos ao Coentrão [jogador do Benfica] ter-nos deixado uma frase tão mítica como "quero
marcar muitos golos". Foi a nossa gasolina durante toda a época", revelou Villas-Boas, depois de ter sido campeão no Estádio da Luz.


Nos momentos de sucesso, André tem assumido um discurso humilde, partilhando méritos com todos os que trabalham com ele. Já na derrota, há pouco material
para avaliar como reage. Em Guimarães, após o primeiro empate da época, foi expulso do banco e criticou duramente o árbitro. Depois, até emitiu um comunicado
a pedir desculpa, porque percebeu pelas imagens televisivas que o árbitro tinha acertado no lance por ele tão contestado.


"Ele não gosta de perder. É um vencedor nato. Quando não ganha, tenta encontrar todas as explicações para isso. É um perfeccionista", aponta Pedro Roma,
baseando-se no que viu após alguns jogos em que a Académica de Villas-Boas perdeu.


O perfil de André Villas-Boas como treinador é hoje relativamente conhecido, dentro do que é possível para alguém com apenas um ano e sete meses como técnico
principal. Mas fora do futebol pouco se sabe, porque ele é fanático pela privacidade e pede mesmo aos mais próximos que não desvendem pormenores da sua
vida pessoal.


Casado desde 2004 com Joana Ornelas Teixeira, André tem duas filhas pequenas, de 21 e sete meses. Raramente aparece com a família em público. Uma das excepções
aconteceu num recente jantar de comemoração do título nacional do FC Porto, em que foi acompanhado pela mulher.


Uma das facetas mais públicas da sua personalidade é o sentido de humor e o sorriso fácil, até já captado pelas câmaras dos jornalistas. Um bom exemplo
aconteceu na véspera da final da Liga Europa em Dublin, onde a responsabilidade do momento não o impediu de trocar piadas com os jogadores que estavam
ao seu lado na conferência de imprensa. Outro momento paradigmático aconteceu em Viena, outra vez numa conferência de imprensa, em que Villas-Boas não
resistiu a trocar sorrisos com a tradutora e a bater-lhe palmas no fim (
http://www.youtube.com/watch
v=JvZ23OBzCos&feature=related).


Fora dos relvados, sabe-se também que Villas-Boas é apreciador de boa comida e de vinho tinto. Não é raro vê-lo em jantares com os outros elementos da equipa
técnica, onde reina a sua boa disposição.


Outra das características do novo menino bonito do futebol é o gosto pela velocidade. Como já assumiu publicamente, aprecia os desportos motorizados, como
a Fórmula 1, e no dia-a-dia não dispensa carros vistosos. Nos últimos meses, tem conduzido um Fiat 500 Abarth (uma série especial), mas na Académica também
já tinha sido visto com carros desportivos, como o BMW Z4 e M5.


As tecnologias e a informática são outras paixões de André Villas-Boas, que, segundo o presidente da Académica, é obcecado por mensagens de telemóvel. "Deve
ser das pessoas em Portugal que mais mensagens envia e recebe, porque é capaz de estar a conversar com alguém e, ao mesmo tempo, trocar sms", conta José
Eduardo Simões: "E quase sempre tem a ver com futebol, porque ele respira futebol."


A forma intensa como se dedica à profissão já levou até Villas-Boas a dizer pretende ter uma carreira curta no futebol. "Quero continuar por dez anos, talvez.
Eu comecei com 16 anos. Já sou velho. Quero ter uma carreira curta porque é muito stressante", disse o treinador, após a vitória desta semana em Dublin.
E depois o que fará? "Bem, como gosto de desportos motorizados, talvez compre um carro ou uma mota e vá passear", brincou Villas-Boas. Uma brincadeira
que até pode estar mais próxima da realidade do que muitos pensam. É que nos tempos livres, quando não está com a família, um dos passatempos preferidos
de André é pegar numa moto e acelerar estrada fora pela serra de Valongo. Um escape na vida stressante de alguém que era um simples adepto e agora é o
miúdo maravilha do futebol europeu.”

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