Foi publicada na edição da Revista Dragões de Fevereiro uma
entrevista com o treinador Luís Castro, disponibilizada agora pelo site oficial
do FC Porto.
““NÃO ESCONDO QUE ME SINTO BEM COM O RECONHECIMENTO”
Luís Castro admite a atração pelo ataque e pelo risco, e
assume o orgulho pelos jogadores que ajudou a formar
Em entrevista à “Dragões” de fevereiro, na qual percorreu
toda a carreira, desde os primeiros pontapés no Vieirense à atualidade, com
passagens por Penafiel e por Nápoles, onde viveu a experiência inesquecível da
Liga Europa, Luís Castro já secundarizava a conquista do título da Ledman
LigaPro em favor da formação de jogadores.
À altura, entre declarações e ideias entretanto confirmadas
e ainda atuais, Luís Castro insistia na “dinâmica ofensiva” e revelava uma
especial predileção pelo risco, com “todos os jogadores envolvidos no ataque”.
E, então como agora, não se arrependia de ter abandonado a direção técnica da
formação portista para regressar ao balneário e ao relvado na qualidade de
treinador do FC Porto B. Sobretudo, porque “o treino nunca sai de nós”,
explicou.
Entrevista de Diana Fontes
Há dez anos no FC Porto, há três no FC Porto B, com uma
breve passagem pela equipa A em 2013/14, Luís Castro diz-se “honrado” por ter
dirigido a formação do clube durante oito épocas e “orgulhoso” dos muitos
jogadores que ajudou a chegar ao topo. Rúben Neves, Sérgio Oliveira, André
Silva e André André são os exemplos mais sonantes, mas muitos outros
encontraram o caminho do sucesso em clubes da primeira divisão.
Líder da Segunda Liga desde a sétima jornada, o técnico de
54 anos destaca o futebol de “altíssima qualidade” praticado pela sua equipa,
explicando que aposta num estilo de jogo em que “todos atacam e defendem” e que
apela “à união, à amizade, ao sacrifício e à solidariedade”. “A equipa tem um
pensamento muito positivo desde que inicia a sua construção, com a baliza
adversária sempre em mente”, resume.
Que balanço faz destas três épocas ao comando do FC Porto B?
Temos desenvolvido um bom trabalho. Na primeira época,
lutámos pelo título da Segunda Liga até à última jornada; na temporada passada,
apesar de não termos estado tão bem no campeonato, chegámos à final da Premier
League International Cup, deixando uma excelente imagem frente ao Manchester
City; e este ano, atravessamos um momento fantástico, tendo vindo a apresentar
um futebol de altíssima qualidade.
Esse futebol bonito de que fala é resultado do estilo que
incutiu aos seus jogadores. Como é que o define?
É um estilo de jogo construído desde trás, em que toda a
equipa participa, quer os jogadores que estão no centro do jogo, quer os que
estão mais afastados; é um jogo que necessita de todos a atacar e a defender, e
que permite que todos estejam em zonas de finalização em determinados momentos
do jogo. É um estilo que apela à união, à amizade, ao sacrifício e à
solidariedade.
Essa procura constante pela finalização tem funcionado muito
bem, de tal modo que, à 25.ª jornada, a equipa já somava 57 golos, mais 21 do
que o Portimonense, que, à data, detinha o segundo melhor ataque do campeonato.
É sinal de que as suas ideias foram assimiladas da melhor forma?
Sem dúvida. A equipa tem um pensamento muito positivo desde
que inicia a sua construção, com a baliza adversária sempre em mente. Gosta de
praticar um futebol com grande variabilidade, de pé para pé. Por sermos uma
equipa tão finalizadora, também é verdade que sofremos de alguns problemas
defensivos, que procuramos melhorar no dia a dia. Reconheço que existe um certo
desequilíbrio, mas não queremos retirar dinâmica ofensiva à equipa. Preferimos
continuar a arriscar muito, sabendo, naturalmente, que é preciso melhorar o que
não está bem.
Os golos têm sido divididos por todos os elementos do
plantel, tanto é que no top 10 dos marcadores da prova há três jogadores dos
Dragões (André Silva, Gleison e Ismael Díaz). Isso deixa-o orgulhoso?
Sem dúvida, até porque é nesse sentido que trabalhamos
diariamente. Procuro que todos os jogadores estejam envolvidos no ataque da
equipa, desde os defesas até aos avançados, passando pelos médios. Por isso é
que também sofremos mais golos do que desejaríamos, mas para mim o que é
importante é que todos saibam sair a jogar e lançar a equipa para a frente.
Os azuis e brancos ocupam a liderança da II Liga desde a
sétima jornada. Numa competição com 46 rondas, é muito cedo para perspectivar a
conquista da prova?
O mais importante não é ocupar o primeiro lugar, mas sim
continuar a formar jogadores, conduzindo-os para um patamar elevado, que lhes
permita dar o salto para a equipa A ou para outras equipas de Primeira Liga.
O título esteve muito perto há duas épocas, precisamente no
ano em que substituiu Paulo Fonseca no comando do plantel principal. O que
faltou para chegar lá?
Na realidade, só faltou o Moreirense não ganhar o último
jogo. Mas o mais importante também não era ser campeão; era fazer um campeonato
positivo, praticar um bom futebol, e desenvolver jogadores e fazê-los entrar no
mercado com qualidade. Esses é que são os nossos títulos. Numa equipa B, o
sucesso não se resume a ganhar o campeonato.
Saiu para a equipa A quando ainda faltavam disputar dez
jornadas da Segunda Liga; ainda assim, o grupo conseguiu manter-se na luta pelo
primeiro lugar até à última ronda, já sob o comando de José Guilherme, proveniente
dos Sub-17. Esperava que houvesse essa continuidade, apesar da mudança de
treinador?
Nesse primeiro ano em que treinei o FC Porto B, mantinha as
funções de diretor técnico da formação, pelo que era natural que todos
falássemos a mesma linguagem. Os jogadores entendiam as nossas propostas e
estavam preparados para lidar com essas situações, pelo que não me surpreendeu
o facto de o professor José Guilherme ter agarrado tão bem na equipa, nem tão
pouco a resposta favorável dos jogadores.
Na temporada passada, a classificação não foi tão boa no
campeonato; por outro lado, chegaram à final da Premier League International
Cup. Qual o relevo de participar nesse género de torneios internacionais?
É relevante, acima de tudo, porque estamos em contacto com
esquemas táticos e dinâmicas diferentes, com um critério de arbitragem mais
largo, e com estádios com ambientes mais intensos e adversos, o que nos obriga
a ajustarmo-nos e a darmos respostas com outro sentido. Na época passada,
defrontámos equipas como o Chelsea, o Norwich, o Athletic Bilbao e o Fulham;
este ano, já enfrentámos o Shalke 04, o Everton e o Tottenham; e a resposta tem
sido sempre positiva por parte dos jogadores, seja contra clubes alemães,
espanhóis ou ingleses. Por muita pressão que nos coloquem, conseguimos sempre
impor o nosso jogo e ultrapassar as adversidades.
A certa altura da temporada, pareceu mesmo que os jogadores
estavam mais motivados a jogar no estrangeiro do que em Portugal. Concorda?
Quando colocamos o foco num objetivo claro e percebemos que
o podemos alcançar, parece que o fazemos de forma mais entusiástica. E a
verdade é que a partir do momento em que ficámos a olhar para cima e para baixo
com uma distância grande no campeonato, o foco na Premier League International
Cup fazia mais sentido. Notei um entusiasmo diferente por parte dos jogadores,
o que não quer dizer que fossemos menos profissionais na Segunda Liga.
O que lhe trouxe de novo a passagem pela equipa A?
Em termos pessoais, o reconhecimento público de um
profissional que estava há quase oito anos no FC Porto. Fez-me sentir bem
perceber o carinho que os adeptos tinham por mim. Quanto ao trabalho propriamente
dito, foi bom para ter noção do quão elevada é a exigência a esse nível. O
staff que nos envolve está totalmente virado para nós e o plantel é de
altíssima qualidade. Não deixou de ser um flash na minha carreira, pelo curto
período por que lá passei, numa altura já muito avançada da época, mas guardo
recordações bonitas, como os jogos em casa e a passagem da eliminatória dos
oitavos de final da UEFA Europa League, em Nápoles.
Sentiu-se desapontado por não ter continuado após o final da
época?
Desapontado não, porque a vida é como é. Naturalmente que
gostava de ter ficado, mas continuei a trabalhar no FC Porto, e isso é o mais
importante.
Viu com naturalidade o regresso ao FC Porto B ou chegou a
pensar em sair?
Havia uma pressão grande, quer para sair, quer para ficar.
Tinha oportunidades em Portugal e no estrangeiro, mas a verdade é que não
trabalho sozinho e, todos juntos, entendemos que ainda havia um trabalho a
desenvolver dentro do clube. E não estou arrependido, até porque tenho ajudado
a crescer muitos jogadores, que me fazem sentir que a opção tomada foi a
correta.
Recuando um pouco na sua carreira de treinador, passou pela
III Divisão e pela II B, e até mesmo pela Distrital, até chegar ao Penafiel. O
que guarda dessa primeira passagem pela Primeira Liga?
Quando cheguei ao Penafiel [época 2004/05, terceira
jornada], o clube tinha zero pontos em dois jogos. Recordo que havia um conjunto
de jogadores de grande qualidade, que estavam desconfiados do que era o seu
real valor. Estamos a falar de jogadores como o Weligton, que está no Málaga, o
Wesley, o Fernando Aguiar, o Artur Jorge, central que vinha do SC Braga, o
Pedro Santos, que era do Boavista, o guarda-redes Nuno Santos, que estava
emprestado pelo Sporting, o Bruno Amaro… além de nomes consagrados, como o
Drulovic, o Clayton e o Folha, um trio com uma história recheada de títulos no
FC Porto. Contava com um plantel bastante interessante e consegui, em poucos
dias, que a equipa fizesse sete pontos em três jogos, o que tornou a nossa
aceitação por parte do grupo quase instantânea. Foi uma época de sonho, em que
ganhámos a dois candidatos ao título (em Alvalade, ao Sporting, por 2-0; e ao
Benfica, em casa; por 1-0) e ainda vencemos os dois confrontos com o Sporting
de Braga (1-0, em casa e fora), além de termos chegado aos oitavos-de-final da
Taça de Portugal.
A segunda época não lhe correu tão bem, acabando mesmo por
ver a sua equipa ser despromovida. Em que contexto surge o interesse do FC
Porto?
Tinha vivido uma época horrível, de facto, completamente
diferente da primeira. Mas não é uma época para esquecer, até porque ainda hoje
me faz lembrar do quão importante é a construção de um plantel. Durante a
pré-temporada, fui tirar o curso de nível 4 de treinador e não acompanhei de
perto esse processo, tendo acabado por perder 80 por cento dos jogadores, o que
se revelou decisivo. Tentei, inclusive, sair várias vezes, mas o presidente
entendeu que o problema não era meu, e a verdade é que o grupo se manteve
sólido até ao fim, embora não houvesse qualidade para resultados melhores.
Terminado esse ciclo, fui contactado pelo FC Porto para liderar o projeto de
formação do clube e, apesar de uma certa surpresa inicial, entendi que podia
ser um excelente desafio para a minha carreira e acreditei que era capaz de
desenvolver um bom trabalho a esse nível.
O que o levou a aceitar?
Era um projeto muito aliciante, que me fez ver o quão
fantástico é trabalhar com jovens tão elásticos na sua aprendizagem. Foi um
percurso que começou há 10 anos e, felizmente, os resultados estão à vista. É
fundamental perceber que o tempo da formação é completamente distinto do da
equipa A. Há que ter paciência. Estamos a formar jogadores dos 8 aos 18 anos,
enquanto na equipa A somos avaliados semana a semana, mediante os resultados.
Sinto-me honrado por ter participado nesse projeto e orgulhoso por ver tantos
jogadores que passaram pela formação do FC Porto a ter sucesso. Quatro deles
estão na equipa A: o Rúben Neves, o Sérgio Oliveira, o André Silva e o André
André, que passou pelos nossos Sub-19; e muitos outros servem atualmente outros
clubes da Primeira Liga, como o Ricardo Ferreira e o André Pinto, centrais do
Sporting de Braga; o Gonçalo Paciência e o Rafa, na Académica; o Ivo Rodrigues,
no Arouca; o André Claro, no Vitória de Setúbal; e o Ventura e o Dias, no
Belenenses. Isto só para citar alguns exemplos. Algo assim só é conseguido
quando temos uma boa metodologia, aplicada com eficácia.
Que legado deixou como diretor técnico dos escalões jovens?
Procurei dar sempre o máximo pelo clube e penso que os
resultados estão à vista, embora haja sempre espaço para melhorar. Temos quatro
jogadores da formação na equipa A e muitos outros em diferentes clubes da
Primeira Liga, como acabei de referir, e vamos em primeiro lugar na Segunda
Liga, com sete jogadores saídos dos Sub-19 (João Costa, Chidozie, Verdasca, Rui
Moreira, Sérgio Ribeiro, Leonardo Ruiz e Rúben Macedo) e três que fizeram a sua
formação desde os 13 anos no FC Porto (Francisco Ramos, Graça e Tomás
Podstawski). A juntar a tudo isto, temos um registo notável de atletas chamados
às seleções jovens. Ainda recentemente, a Federação Portuguesa de Futebol
revelou um estudo que mostra que somos o clube que, na última década, mais
jogadores cedeu às equipas nacionais de formação, considerando o universo FC
Porto e Padroense.
O que o motivou a aceitar treinar o FC Porto B depois de
tantos anos ausente dos relvados?
O treino nunca sai de nós. Ao fim de sete anos, comecei a
pensar que o meu futuro ia ser a direção técnica, mas o FC Porto entendeu,
conhecedor dos jogadores que estavam na formação e da metodologia de treino do
clube, que eu devia ir para a equipa B. Foi surpreendente, de certa forma, mas
acabei por aceitar, e ainda bem, porque vivi nestes três anos momentos de
rotação altíssima, e não posso esconder que hoje me sinto bem com o
reconhecimento do meio e dos adeptos. Alimenta-nos o ego e diz-nos que devemos
continuar a investir no nosso caminho de treinadores. E vou continuar a fazê-lo
com a paixão de sempre.
Qual a importância das equipas B no panorama do futebol
português?
A importância é inequívoca, quer a nível de clube, quer de
seleções nacionais. É fundamental haver uma equipa que permita aos jovens
saídos dos Sub-19 amadurecerem para conseguirem chegar ao plantel principal.
Qual a diferença entre treinar uma equipa B e uma equipa
principal na Segunda Liga?
Numa primeira equipa, jogamos muito mais para a
classificação, enquanto numa equipa B apostamos mais no progresso individual
dos jogadores. Mas a pressão existe na mesma, sobretudo se estivermos no topo
ou no fundo da classificação. Não vivemos tanto dos resultados, mas temos a pressão
própria de um treinador que quer muito fazer bem e tem muita ambição dentro
dele, de chegar cada vez mais longe.”
Em
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